segunda-feira, 20 de outubro de 2008
Álbuns de família nas janelas de Diamantina
Fotografias antigas de moradores da cidade histórica sairam das gavetas para serem expostos nas janelas de suas casas. O trabalho começou com uma busca dessas relíquias e uma minuciosa pesquisa sobre os fotógrafos conhecidos da cidade, como por exemplo, Chichico Alquimim.
A idéia é usar as fachadas das casas como “vitrines” e as janelas como molduras para expor suas memórias interiores. O objetivo é devolver para a cidade questões ligadas à memória e aos ritos de passagens ligadas a sua história.
Translúcidas, as janelas remetem à questão do apagamento da imagem e se sobrepõem à representação de dentro do casarão. Elas funcionam como pontos de transição entre um espaço e outro... busca-se, assim, a transcendência, a conexão entre duas realidades.
As luzes dos casarões ficarão acesas durante a noite, isso garante a visibilidade para os que passam pela rua - retransfere e contextualiza retomando a “aura” esquecida.
O projeto foi iniciado durante a oficina Para que produzir e ver imagens? ministrada pela artista-plástica e professora Rosângela Rennó no 39º Festival de Inverno da UFMG, por Renato Almeida e Mirian Chiara.sexta-feira, 17 de outubro de 2008
DISSEMINAÇÃO:
Performance Disseminação I
DISSEMINAÇÃO:
A MIGRAÇÃO DAS TELAS1 OU A IMAGEM TEMPO ALÉM DA CAIXA PRETA
No catálogo da Exposição Momentos Improváveis, acontecida em Rio de Janeiro em 2003, Phillippe Dubois nos fala de um “efeito cinema nas artes plásticas”2, mas alias, hoje podemos também falar de um efeito vídeo no só no cinema, mas também no teatro, na dança, na música e na literatura contemporâneas. A pergunta que Eisenstein fazia-se com respeito ao cinema na década de 1920 (“...que arte não está próxima do cinema?”3) pode ser extrapolada hoje mais acertadamente com respeito ao vídeo. Ainda mais: o interrogante poderia ser extrapolado a muitas práticas e manifestações culturais contemporâneas: a mídia, a publicidade, a antropologia e as ciências sociais em geral (em gêneros como o documentário), as formas de salvar e acumular memória individual e coletiva, os relacionamento na rede, os sistemas de vigilância e controle, etc. etc.
A câmara-caneta da Nouvelle Vague francesa, aquela câmara portátil que revolucionara as linguagens e as formas de fazer cine na década de 1960, não é hoje mais a câmara de cine, mas a câmara de vídeo: leve, portátil, econômica, de fácil edição e manipulação, ela faz com que a onipresença do vídeo seja hoje um fato inegável nas sociedades contemporâneas. E se na década de 1990 Dominique Baqué fez no seu já incontornável livro de referência A Fotografia Plástica4 uma exploração pioneira acerca da presença e impacto da fotografia nas artes plásticas, esse livro e essa exploração estão ainda a fazer num campo que, parafraseando a expressão da Baqué, poderíamos chamar de Vídeo Plástico. DISSEMINAÇÃO é um evento acerca desse vídeo espalhado, ampliado, disseminado (Disseminar: semear ou espalhar por muitas partes, difundir, propagar; espalhar. Dicionário Aurélio, 2005) que tem zonas e pontos de contacto com todas as artes e com muitas práticas sociais.
Podem ser os limites tradicionais das narrativas herdadas da novela e do teatro, apresentadas tradicionalmente na Caixa Preta5 da sala de cinema, ou as obvias conexões da imagem movimento com a pintura e o desenho no campo da Animação... mas podem ser também outras zonas de contacto e propagação: com a escultura e a encenação teatral nos campos da vídeo-instalação ou a vídeo-escultura, com a dança e a performance, com a arquitetura, a publicidade ou a arte digital. Em fim: o vídeo nesse espaço infinito e aberto de trocas que é o campo criatividade humana: a arte do vídeo nesse lugar de experimentação da existência humana que o artista alemão Joseph Beuys definiu como arte: o lugar antropológico onde se elabora a constante re-invenção do ser humano.
Adolfo Cifuentes, Belo Horizonte, Agosto 2008.
www.ufmg.br/centrocultural/disseminacao
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
Quem te viu quem TV
Quem TV? (Sorria, você está sendo filmado)
Comentário sobre a obra Quem te viu Quem TV de Renato AlmeidaQUANDO O VÍDEO SAI DA CAIXA PRETA:
A tela, a câmara, o som, as narrativas da imagem cinemática1 estão fugindo da Caixa Preta da sala de cinema e invadem gradualmente as galerias e museus, aqueles Cubos Brancos “próprios” das artes plásticas. Não vamos explorar neste curto texto as razões, conseqüências e mudanças que este processo supõe para as duas áreas de produção (cinema e artes plásticas) e vamos tentar só explorar, a partir de uma destas “imagens invasoras”, a Obra Quem te viu Quem TV, de Renato Almeida, algumas das estratégias empregadas pelos artistas que, apropriando-se das ferramentas do vídeo, protagonizam hoje este deslocamento.
INVISIBILIDADE E VISIBILIDADE, MATERIALIDADE E IMATERIALIDADE: A invisibilidade do circuito de apresentação próprio da Caixa Preta é um paradigma: o projetor é escondido ao fundo da sala, junto à pessoa encarregada pela projeção, a tela branca deve estar sem rugas para que podamos nos esquecer dela, e se tomamos consciência dela (caso tivera manchas, por exemplo) percebemos isto como um fator de ruído indesejável. O mesmo acontece com o sistema elétrico, com os elementos técnicos do som e, em geral, com toda a armação que constitui os bastidores da sala. Ao invés, muitas das obras que empregam o vídeo no Cubo Branco da sala de exposição ressaltam este circuito de apresentação, criando, a partir dos projetores, das câmaras, etc., vários tipos de materialidade no contexto de um espaço que, como a galeria, constituiu a sua identidade a partir da exibição de imagens/objeto: quadros, esculturas, desenhos. No caso de Quem te viu Quem TV a própria câmara vira um “objeto-escultura” além de um elemento simbólico-metafórico (um pássaro encerrado naquela gaiola que pendura do teto?)
DISPOSITIVO E PERCURSO: O tipo de olhar da sala de projeção está já garantido e padronizado: o espectador entra, senta na cadeira, desliga o celular, as luzes fecham, o filme começa, e durante uma hora e meia ele vai fingir que “não está lá”. Se precisara se deslocar (para ir ao banheiro, por exemplo) deve faze-lo com o maior sigilo possível, deve tornar-se tão invisível quanto puder. No museu, na galeria, acontece o contrario: o espectador caminha, se desloca, faz um percurso, não tem uma temporalidade marcada porque a obra plástica não tem um principio nem um final. Em Quem te viu Quem TV este deslocamento é central: toma tempo, mas uma vez o espectador entende que a imagem projetada na parede provém da câmara que está na gaiola, começa a fazer um percurso ao redor dela, a criar um jogo entre o próprio corpo e a sua representação, desfigurada pela natureza semi-esférica do espelho, que lhe devolve a sua imagem projetada na tela. Alias a obra é precisamente esse jogo, feito do percurso ao redor da gaiola e dessa interatividade com a representação.
Tudo isso constitui o que estamos chamando aqui de dispositivo: a própria peça é na verdade uma estrutura de visibilidade que funciona em vários níveis: a câmara de circuito interno, o espelho côncavo que desfigura o objeto projetado, a natureza da imagem que, além da deformação muda a perspectiva (a câmara aponta para abaixo e projeta num plano vertical a horizontalidade do plano capturado), o percurso do espectador, a interatividade proposta a partir da circularidade da gaiola, o jogo deste circuito de captura e projeção em tempo real.
A imobilidade, a invisibilidade do circuito, o caráter estático do espectador, todas as categorias paradigmáticas da “Caixa Preta” são aqui abaladas, ou talvez simplesmente “traduzidas” a essas outras categorias do Cubo Branco... mas também não é só isso... a imagem fixa da galeria de artes plástica fica também em suspense nesta obra feita, por definição, de imagem-tempo, só que a temporalidade deve ser construída aqui pelo próprio espectador.
Mas, a partir do próprio título, e da sua essência como circuito interno, a obra propõe, ainda uma outra leitura: ela nos remite ao universo da vigilância e do controle, às onipresentes câmaras de vigilância... o jogo, a citação humorada, a interatividade lúdica talvez sejam a única maneira de lidar com o paranóico fantasma da nossa eterna vigilância mutua. Devemos sorrir, não só porque estamos sendo filmados, mas porque a vigilância constitui, cada vez mais, a única maneira de estar próximo dos nossos vizinhos e semelhantes. Vigio-te pelo tanto és alguém para mim... estás sendo filmado, pelo tanto existes...
Adolfo Cifuentes
Belo Horizonte, Agosto de 2008